Seja na rua, ao entrar em um ônibus, na hora de pagar uma conta no
banco ou mesmo em casa, encontrar espaços que possam ser compartilhados
por todos ainda não é tão frequente quanto deveria. Pessoas com deficiência, além de idosos e obesos, convivem todos os dias com diversas limitações, tanto pela ausência de estruturas acessíveis
quanto pela falta de integração entre as que já existem com os demais
ambientes das cidades em que vivem. Uma solução para essa lacuna é a arquitetura inclusiva,
sensível às diferenças entre os cidadãos. Para falar sobre o tema, a
repórter Luanda Lima, do Portal EBC, entrevistou o arquiteto Marcelo
Guimarães, que é professor da UFMG e lidera o laboratório Adaptse, que desenvolve projetos voltados para a acessibilidade.
Portal EBC - O que é a arquitetura inclusiva e qual é o ponto
de partida para se projetar ambientes acessíveis, considerando os vários
tipos de deficiência e também as pessoas que têm alguma dificuldade de
locomoção, como os idosos?
Marcelo Guimarães - A ideia de uma arquitetura inclusiva é recente,
embora a acessibilidade exista desde que a arquitetura surgiu. A questão
é: acessibilidade para quem? Muitas vezes, pensa-se no conceito de
deficiência como algo paralelo à “normalidade”. E aí está o primeiro
aspecto importante ao pensar na arquitetura inclusiva: entender qual é o
conceito de deficiência, que está vinculado ao desajuste da pessoa com o
uso do ambiente. Um exemplo simples é que basta que um ambiente não
tenha luz para que tenhamos problemas visuais, mesmo que nossos olhos
não tenham problema algum. A acessibilidade é possível quando
consideramos a deficiência que cada um pode ter em um ambiente. Uma boa
solução na arquitetura inclusiva é aquela que se preocupa em entender
como as pessoas conseguem realizar suas atividades no dia-a-dia e, a
partir dessa experiência, como podemos transferir isso para o maior
número de pessoas. Então, um dos pontos importantes a se considerar,
inicialmente, é o dimensionamento das coisas. No passado, quando se
começou a pensar em uma arquitetura acessível para as pessoas com
deficiência, era pensado só na cadeira de rodas, mas uma visão inclusiva
é de um espaço em que todos possam se beneficiar. Se a gente pensa
assim, todos os espaços considerados hoje mínimos passam a ser
confortáveis para que, por exemplo, uma mãe possa dar banho em seu filho
ou mesmo para a locomoção de uma pessoa vulnerável ou obesa. Ou seja, o
espaço pensado inicialmente para a movimentação de uma cadeira de rodas
passa a ser para todos.
Portal EBC - Fale um pouco sobre o Adaptse e os projetos que vocês desenvolvem lá.
Marcelo Guimarães - O Adaptse é um laboratório que envolve pesquisa,
ensino e extensão. Procuramos fazer com que os estudantes que trabalham
lá aprendam na prática como a acessibilidade pode ser desenvolvida e
aprimorada. Hoje existe uma pressão para que empresas e outras
instituições procurem uma maior acessibilidade e, com isso, temos a
oportunidade de explorar uma ideia inovadora que possa influenciar novas
técnicas, mais abrangentes.
Portal EBC - O que não pode faltar em uma loja, um banco ou uma escola, por exemplo, para que ela seja inclusiva?
Marcelo Guimarães - A primeira coisa em que podemos pensar é que
acessibilidade não é só construção, mas também gerenciamento do espaço.
Para quem oferece serviços, o importante é entender como se pode
prestá-los da maneira mais confortável. Precisamos romper com essa
solução paralela. Filas exclusivas separadas das convencionais não são
uma solução de acessibilidade. Isso só demonstra que o sistema não
funciona. Você pode eliminar filas fazendo com que quem esteja ali
receba o que precisa por meio de um atendimento direcionado. Um exemplo
simples é quando, em um aeroporto, pelo interesse da companhia aérea em
embarcar todos no menor tempo possível, os funcionários não ficam atrás
do balcão, mas vão até os passageiros para perguntar a eles como
poderiam ser mais eficientes ao fazer o embarque. É assim que a
acessibilidade passa a ser algo a ser desejado por todos, que devem
pensar: como a acessibilidade nos atinge?
Portal EBC - E em casa, quais são os pontos a que arquitetos
devem estar atentos? Existem adaptações e soluções simples que possam
ser aplicadas no ambiente doméstico para facilitar o dia-a-dia da pessoa
com deficiência?
Marcelo Guimarães - É importante ressaltar que a legislação
simplesmente ignora a acessibilidade da casa. No Decreto Federal 5.296,
define-se que todos os espaços coletivos de um prédio sejam acessíveis,
mas não menciona a casa. O arquiteto deve mostrar ao cliente que
investir em ampliar o espaço de movimentação vai possibilitar que as
pessoas possam viver melhor. Se alguém estiver construindo sua própria
casa, deve entender que aquele espaço irá acomodar as diferentes etapas
da vida e que, por exemplo, crianças e idosos precisam de mais espaço.
Se temos um corredor mínimo de 1,20 m, as pessoas podem pensar que ele é
muito largo e, caso não precisem de tanto espaço, podem pôr uma
prateleira ali e, ainda assim, caminhar. Se o espaço é necessário, o
móvel sai. Portanto, deve-se pensar na flexibilidade das estruturas, em
como elas podem ser adaptadas, como banheiros que possam acomodar
armários, mas também garantir espaço de movimentação. Soluções simples
que podem ser implementadas são, para evitar acidentes, tapetes
emborrachados e produtos acessíveis.
Portal EBC - O que a gente pode falar hoje das ruas e dos
transportes públicos no Brasil? O que pode ser feito para tornar esses
espaços universais?
Marcelo Guimarães - É importante fazer com que as pessoas sintam que
aquele espaço é de todos. É preciso garantir que as calçadas sejam mais
seguras e que as ruas não sejam meros corredores de veículos. Edifícios
que se vinculam à calçada devem ser preparados para receber veículos, e
assim garantir que a acessibilidade seja uma conexão integrada de
espaços acessíveis, em vez de uma situação isolada, confinada apenas ao
espaço da casa ou da calçada. No caso dos transportes acessíveis,
podemos pensar desde um táxi, que hoje é feito a partir de um veículo
inacessível, e pensar em como esses espaços podem ser integrados a um
sistema de transporte que seja confortável para todos. Nem todos os
ônibus acessíveis podem subir em todas as ruas, então vans poderiam ser
estruturas suplementares para que as pessoas tivessem a opção de sair de
casa e andar pela cidade.
Portal EBC - Como as tecnologias digitais podem se aliar à arquitetura inclusiva?
Marcelo Guimarães - Trabalho bastante com a construção de modelos que
possam sugerir como os espaços podem ser mais acessíveis, representando o
processo de aprimoramento de qualidade e da experiência das pessoas.
Hoje, é possível também ter a experiência prévia de como um espaço vai
ser. Um dos trabalhos que desenvolvi é a elaboração de uma escala de
qualidade de acessibilidade, em que as pessoas podem registrar como foi
sua experiência. Se você transfere isso para outros sistemas de
navegação e até para as redes sociais, podemos fazer com que as pessoas
deem seu depoimento sobre a acessibilidade de determinados espaços, o
que pode ser estimulante para que o investimento nesse campo seja cada
vez maior. A acessibilidade no Brasil tem muito a evoluir porque nós
também precisamos evoluir na nossa compreensão de acessibilidade, não
para as pessoas com deficiência, mas para as deficiências que existem no
dia-a-dia de todos.
Fonte: http://www.ebc.com.br
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